quinta-feira, 25 de maio de 2017

À beira do Lis



Alguém me disse, com um ar muito convicto, que estas bolinhas de algodão em rama que andam por aí a esvoaçar sem rumo e fazem imensos rodopios antes de assentarem no chão, desprendem-se aos milhares dos enormes plátanos que bordejam o Lis e provocam alergias. Eu não sei se isso é verdade, mas acredito que assim seja. O que é certo é que a primavera regressou com força e desde que comecei a escrevinhar estas linhas os pardalitos ainda não largaram a minha janela. Por mero deleite, costumo deixar uns miolos de pão, ou bolachas, em cima do parapeito da varanda, pois sei que mais tarde ou mais cedo eles acabam por aparecer. Sinto um gozo soberbo quando no final da tarde escuto os chilreios destas avezinhas trémulas e gorduchas que dão saltinhos para a esquerda e para a direita rodando sobre si.

Mas será que era disto que eu queria falar? Da primavera, dos oráculos que, um pouco por toda a parte, conseguimos ver anunciar a passagem da meia estação com uma luz que faz as cores do mundo resplandecerem no contraste com o azul do céu? Talvez, sim. Este tempo positiva-me...

No próximo fim-de-semana espera-me uma tarefa árdua: fazer por esquecer recordações, papéis diversos, fotografias, por vezes mesmo pequenas coisas escritas e guardá-las algures no fundo de uma gaveta ou na parte de trás de uma estante mais elevada e de difícil acesso, ou porventura, mais assertivamente, deitar tudo no lixo. Sei que há uma página da minha vida, pesada como chumbo, que quero virar. As outras laudas, as que inevitavelmente lhe seguem, estão em branco e cabe-me a mim preenchê-las com os tais momentos que careço: prestações positivas e a felicidade de uma vida fresca.

Há muito que abandonei o zapping doentio que em definitivo se incorporou nos tiques domésticos de quem se senta na sala depois do jantar. Os meus entretenimentos passam pela leitura, pela escrita, pela música ou pelos passeios pela cidade vazia, depois da acalmia do trânsito e recuperar o prazer de olhar os prédios, as janelas, os telhados, as cores de todas as coisas. E assim, por vezes, vou escorregando de ideia em ideia, afinando planos e contingências que careço solucionar dentro de mim.

Quem me lê, por certo, já se apercebeu desta minha veia diarista, epistolar – em mim recorrente - e talvez que o meu olhar sobre a vida e os seus enfeites abram alas a que alguém me explique melhor o porquê de tantas coisas, as respostas que eu não tenho, ou, se tenho, já nem sei onde as guardei.




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