quarta-feira, 17 de maio de 2017

Doce fantasia


O teu rosto era imaterial como o de uma virgem de Frei Angélico. De joelhos, em frente do altar do teu leito, oferecer-te-ia o sacrifício do meu amor. Nua do peso da carne, minha alma beberia delicadamente o néctar das tuas escondidas lágrimas. Não te assustes, querida. Aonde nos conduziria o vendaval do medo? Lembro-me do tempo em que o nosso amor arrulhava melodias azuis e róseas no silêncio dos nossos corações, ainda maravilhados do nosso encontro. Agora, a tua face, como a dos anjos e das virgens, reflete a ausência de carne. Não te assustes, querida, com as pequenas aves que andam sempre aos pulinhos na minha varanda. Elas gostam da minha casa, não sei porquê. Juro-te que, um dia, os teus olhos serão novamente iluminados pela jóia da vida e na ramagem azul-pérola do nosso amor florescerão, mais puros ainda, os nossos beijos. Quanto mais desenganos vejo no mundo das realidades, mais sublimes sinto as tuas mãos, a tua cara e o teu pensamento. Parece que do mundo que tinha imaginado, ficaste só tu; como se fosses tu este mundo e o resto somente quimeras. E este mundo que sobeja para mim, e que és tu, tornou-se superior ao que eu poderia imaginar. Somos duas malvas-rosas num jarro, adormecidos num estranho torpor, como agonizantes silêncios de cor. Já só sinto, cada vez mais ténue, a tua respiração ofegando dentro de mim. Sei que a tua pessoa está algures no cetim do firmamento e, por vezes, brinda-me com a sua presença através dos raios da lua prateada que odoram o beiral da minha janela. E, na minha varanda perfumada da tua luz, o meu olhar, de um salto, pousa em ti, beijando-te o rosto e as mãos. Parece que ainda sinto os lábios húmidos da delícia dos teus beijos. Doce fantasia!

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