segunda-feira, 22 de maio de 2017

Primeiras impressões sobre a cidade de Leiria



Estou em Leiria há cerca de 15 dias. Habito um apartamento modesto que divido com uns engenheiros de formação recente, rapazes novíssimos, boa gente. Da urbe, só conhecia vagamente a entrada principal que, no momento, está tomada pelas obras do «Polis». O centro histórico, com as suas ruelas antigas e casarões fidalgos, encontra-se demasiado entaipado para se poder adivinhar o que vai surgir por detrás desses biombos cinzentos que tudo desfeiam. Toda a cidade parece suspensa na expetativa que a recuperação dos imóveis degradados lhe devolva o brilho e a dignidade de outrora.

Leiria é uma cidade em expansão. A «Nova Leiria», como os leirienses lhe chamam, é uma espécie de Restelo cá da terra. Construída sobre terrenos rústicos, outrora de lavoura, convertidos em lotes urbanos – o dinheiro fala mais alto – onde pontificam apartamentos moderníssimos com tipologias diversas, oferece aos mais abastados todo o conforto moderno. Por lá, exultam duplex, penthouses, ares condicionados, aquecimentos centrais, lareiras, vídeos de porta, aspiradores centrais, garagens com portões automáticos, e toda a gama de paramentos que os consumistas acham necessários à sua nova condição de novo-rico, ou neo-individado. Para muitos, infelizmente, é essa a condição sublime da felicidade, talvez a única que conheçam.

No meio de densa vegetação, dominando por completo, num ângulo de 360 graus, uma cidade originária que dele fez o núcleo de polarização, surge, lindíssimo, o castelo altaneiro. É em especial à noite, visto da Praça Rodrigues Lobo, mercê de uma iluminação suave, amarelejada, que lhe realça ainda mais a beleza, que perco, incansável, o meu olhar no recorte da sua silhueta.

O Liz serpenteia ao longo de toda a parte baixa da cidade, tornando aprazíveis as margens frondosas, bordejadas por álamos e choupos, que derramam os seus braços sobre as águas, onde casais trocam carícias enquanto se deliciam olhando os gansos, os cisnes, os patos, que se deixam ir em inocência e languidez ao sabor da corrente.

Encontro em Leiria uma cidade típica de província, embora já demasiado evoluída para poder merecer o epíteto pejorativo com que, o mais das vezes com injustiça, os lisboetas brindam as cidades dessacralizadas de grandes superfícies comerciais e obras de regime magnificentes.

A pequenez do meio ressalta quando me apercebo que os seus habitantes, não raro, se tratam pelo nome próprio, quando são clientes nas lojas, nos cafés, nas repartições públicas. Trata-se de uma cidade pouco populosa, por comparação às urbes que rodeiam Lisboa, compostas de aglutinados sem fim.

Há 16 anos atrás, por força de circunstâncias algo semelhantes, morei no Baixo Alentejo, em Santiago do Cacém, mas Leiria, sem dúvida, é incomensuravelmente mais evoluída, menos fechada nos seus ritos, menos preconceituosa.

A noite já desceu sobre a Praça Principal, que faz lembrar uma Calle Mayor em tamanho minúsculo. Do poeta plagiador de Camões, jaz a um canto a sua estátua, sóbria, de uma discrição quase irritante. No cimo, o castelo «Korrodi», sobrevoado por errantes bandos de andorinhas, surge iluminado de graça suave, no introito de mais um final de dia. Pelas ruelas da antiga Judiaria, magotes de jovens tenrinhos, estudantes dos inúmeros estabelecimentos de ensino superior que cercam a cidade, demandam a zona histórica à procura dos bares e da felicidade de mais uma noite de folia. Não tarda, o resto de Leiria, a parte menos jovem, vai dormir, e eu também. *

* Primeiras impressões sobre a cidade de Leiria. 
Leiria - Junho de 2006

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