segunda-feira, 22 de maio de 2017

Veneza e o amor




Amo viajar e Veneza será sempre para mim a lua que se lança da Ponte dos Suspiros; a gôndola que desliza pelas linhas da noite no canal azulado; o gondoleiro que canta indiferente, de tão habituado que está a que nos remos se reflitam as estrelas; a festa junto da água, cheia de luzes de todas as cores, de onde às vezes saí a silhueta do Pierrot, que se reflete engrandecido no silêncio do palácio de mármore. E, sobretudo, a maravilha dos teus olhos e a porcelana do teu corpo submergidas na minha grande emoção. Não é extraordinário sermos semelhantes? Conhecendo a minha pessoa, conhecendo-te, porque és como eu? Toda a fonte de delicadezas e sentimentos, que não se podem definir porque são alma, e que estão dentro de mim, equivalem à mesma que tu tens. É por isso que nos compreendemos tão bem. Por este motivo, os nossos pedidos são nulos, porque as nossas vontades estão sempre satisfeitas. Assim, sem nada dizeres, compreendi que estavas triste, porque essa mágoa também era minha.


Porém, nada pode deter-me no caminho que eu mesmo tracei. Caminho onde o horizonte é de um azul tão profundo como o fundo do teu coração. Nestes momentos, sinto-me superior a todos. O fim deste caminho és tu. Eu vou para ti, sem hesitações, com a segurança do homem forte, e espero que me recebas num amplexo pleno de ternuras. Quando penso em tudo isto, fecho os olhos e as palavras rolam dentro de mim, como um sonho transformado em vocábulos. No entanto, nunca vi nos teus olhos a mais pequena teia de aranha, onde os pensamentos ficassem presos. Mas descobri, outrossim, nuvens de tristeza. Eu, às vezes, brinco com a tristeza e com a dor. Deixa-me divagar um pouco mais, amor, não me demoro. Prometo! Por pouco vento que faça, fecho os olhos e percebo o ténue ruído da flor das amendoeiras. É nessas alturas que te vejo e aspiro o teu perfume, mesmo sem saber quem tu és...*

* Prosa poética - Barreiro 2006

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