quinta-feira, 14 de abril de 2011

O Coelho da Páscoa, as amêndoas e a nova técnica motociclista

Estamos quase na altura da Páscoa, época sacra em que toda a comunidade cristã celebra a ressurreição de Jesus Cristo, como o ritual da sua passagem da morte para a vida. Talvez, ainda mais do que o Natal, seja o dia santo mais importante da religião cristã. Como ateísta agnóstico assumido, não participo das celebrações pascais, pois não faz parte do meu conhecimento a existência de Deus, nem acredito que ele exista. Mas isso não faz de mim um intolerante cismado com as crenças dos outros. Muito pelo contrário. Com o rodar dos anos, cada vez me tenho tornado mais respeitador para com as crenças, a fé, as filosofias, as opções de vida e as vontades alheias. Aplaudo, de coração aberto, aquela frase gasta, tanto é o uso que lhe têm dado, de que 'a nossa liberdade termina onde começa a liberdade dos outros'. Nada é mais real e cordato. Devemos respeitar o espaço do outro, e não só o seu espaço físico, como também o seu espaço de interioridade. Só assim podemos viver de pleno a justeza que é permitir ao outro, que se desenvolva num ambiente que ele próprio criou e desejou para si. 

Depois de neste pequeno entreacto ter explicado quais as agulhas com que me coso, no que a esta tradição pascal respeita, cumpre-me dizer que nem tudo o que é Páscoa me é indiferente. Ontem, por exemplo, estando eu no Continente, na secção dos livros, vi, pelo canto do olho, no corredor central, estrategicamente colocado, um coelho enorme - todo ele era chocolate! - a sorrir para mim. Junto às patas, propriamente falando, uma vez que estamos a falar de um leporídeo, pese embora de chocolate, jaziam imensos pacotes de amêndoas de todas as sortes e feitios. Fiquei logo encantado. Adoro amêndoas. São uma compulsão a que dificilmente consigo resistir. Consigo devorar, em poucos minutos, um pacote daqueles bem grandes - depois fico muito nauseado, mas isso é outro folhetim. 

Mansamente, já com dois espécimenes de cultura nas mãos, esgueirei-me até perto do coelhinho de chocolate, que afinal não era tão grande como parecia e já apresentava sinais de derretimento, e escolhi dois pacotes de amêndoas: um do tipo francês e outro mais comum. Juntamente com dois livros, uma cera líquida, duas velas de cheiro, um cacho de bananas e uma fita adesiva para colar o cano de plástico do meu famigerado aspirador (Dura mais tempo o Carnaval do que o cano de um moderno aspirador! Que saudades do Nilfisk de inox da minha mãe, que durou quase 30 anos sem avarias!), dirigi-me para uma das caixas registadoras. Ainda pensando no coelhinho de chocolate que, com o calor que estava, devia estar cada vez mais parecido com uma vela de cera derretida, saí com a ignorância a latejar na cabeça, por não saber o porquê da associação que comummente se faz entre o coelho e a Páscoa. Sei que o coelho é um animal presente na cultura popular como símbolo de fertilidade, mas desconhecia porque o associavam à Páscoa. Se me perguntarem se conheço o Bugs Bunny; o Coelho Branco, histriónico, sempre apressado, da 'Alice no País das Maravilhas'; o logótipo da revista 'Playboy'; o Lorde Coelhão da turma da Mónica, ou mesmo o Roger Rabbit, seguramente que a minha resposta é afirmativa. Mas o Coelho da Páscoa, com franqueza, só mesmo de o comer, aquando das minhas lambuzadelas em chocolate.

Intrigado com o assunto, chegando a casa, consultei a Larousse sobre o tema cunicultura e aprendi que o tempo de gestação de uma coelha é de apenas um mês, podendo ter entre quatro a seis filhotes, amamentando entre vinte e trinta dias. A bichana, vinte e quatro horas após o parto, entra novamente no cio (Fónix! Não há coelho que resista a débitos conjugais tão 'desumanos' e os pobres coelhos, ao contrário do que por aí se diz acerca de doenças, não morrem seguramente de mixomatoses, mas sim devido a esforços violentos relacionados com o antónimo de inação). Agora também já percebo melhor porque é que os jovenzitos púberes, onanistas, apresentam grandes olheiras, tal como alguns coelhos. A diferença, e não é tão pouca quanto isso, é que o coelho, ao que parece, ainda que morra do excesso da função, consegue extrair algum gozo da coisa. O mesmo não se diga dos púberes, onanistas de plantão, sempre com aquele tom escurecido abaixo da região ocular, que fantasiam freneticamente o objecto do desejo, mas, coitados, têm de se auto governar.


[Agora sei que o coelho é um símbolo muito comum na Páscoa, porque a sua fertilidade tem a ver com a esperança de uma nova vida. É uma metáfora bonita, tal como 'fazer amor à coelho' - para infortúnio das mulheres, sempre ávidas de longos preliminares.]

Mas, deixando para trás as 'subtilezas' em que paulatinamente a minha escrita se tem vindo a transformar, falta-me falar de uma nova técnica, por mim desenvolvida, que pretendo patentear junto da comunidade motard. Trata-se de conseguir conduzir uma mota comendo amêndoas em simultâneo. É simples e passo a explicar:

Usando um capacete integral, a técnica torna-se quase impossível de ser usada, pelo que se deve optar por um capacete semi-integral, que deixe a boca livre. 

1.Coloca-se o pacote das amêndoas, já devidamente aberto, com muito cuidado não vá ele rasgar-se e as ditas escorregarem pelo corpo todo, entalado no blusão motard. Este, por sua vez, não pode estar fechado até acima, para permitir a entrada de dois dedos lá dentro. 

2.Guardam-se as luvas, tira-se a mota do descanso, e inicia-se a marcha. Sempre que o trajecto seja uma recta, sem desviar os olhos da estrada, colocam-se os dedos médio e indicador da mão esquerda - aquela que usa a embraiagem - dentro do blusão e retiram-se duas a três amêndoas, que rapidamente se metem na boca. 

3. De seguida, após as curvas, e logo que surja de novo uma recta, repete-se o procedimento, até que o pacote fique vazio. 

Posso-vos garantir que, na minha azulinha, dei umas voltas pela cidade e quando cheguei à porta da garagem, tinha deglutido um pacote inteiro de amêndoas francesas. Na altura, tantas foram as francesas que comi que me senti internacional - uma espécie de Zézé Camarinha da Páscoa -, mas hoje de manhã acordei enjoado e nem queria ver uma única francesa à frente, fosse ela cor-de-rosa, verde ou amarela. Tudo o que é demais enjoa e o prazer levado à exaustão rapidamente se transforma em sofrimento e desprazer. Agora entendo a erotomania forçada dos pobres coelhos. Não admira que qualquer dia se assista a uma 'nouvelle vague' de coelhos gay.


PS. Dêem-me um desconto ou imploro que me internem, já que a minha capacidade de redigir textos sóbrios anda pelas ruas da amargura.

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